segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Poema

Último Ato
Colmar Pereira Duarte



A morte chegou de quieto,
com alpargatas farpudas
de tanto campear viventes.

O sol recém despontara
sobre os pastos serenados
daquele final de agosto.

Mateando, de frente à porta,
ia pensando recuerdos
por não ter com quem prosear.

A vida é um rio de esperanças
que o tempo enche de remansos
onde nadam as lembranças
quando não se sonha mais.

Estava assim distraído
quando ela tocou o seu ombro.

Quis levantar
mas tombou, soltando a cuia da mão.
A cuia rolou pra longe
deixando um rastro e um som...
A morte o deixou caído;
Quebrou a cuia do mate,
sofrenou seu coração.

Quando alguém chegou à porta
que emoldurava o silêncio
daquele quarto vazio,
achou o seu corpo de borco,
com o rosto contra o chão;
o chão – um tronco de angico,
ele - a casca de cigarra
deixada na mutação.

Morreu tal como vivera
sem aviso, sem alarde.

Seu último confidente
foi essa cuia de mate da manhã,
do fim de tarde,
que rolou da mão sem vida
deixando um rastro e um som...

Morreu tal como quisera
por gostar da solidão;
Solteiro,
sem neto ou filho
pra chorar porque se foi.

No velório,
só o silêncio acompanhava o balanço
da chama das duas velas
no ritual do relembrar.

Companheiro como poucos
nunca negava o estrivo
ou deixava um compromisso
pra um passeio
ou um serviço.
Mate pronto,
água caliente
ou de pingo pelo freio,
mas não largava na frente
sempre esperava um convite.

E os silêncios que ele tinha
guardados de muito tempo?

Daqueles que só os amigos
podem juntos desfrutar.

Quando as brasas dos borralhos
se acomodam para dormir,
já não chiam as cambonas
nem há causos pra contar,
cada qual com seus recuerdos
confidenciando segredos
nesse dialeto casmurro
onde a palavra é demais.

Dizem que o homem já nasce
com o destino traçado.
Ninguém vive por acaso
mas cumprindo uma tarefa.
Como se fosse uma peça
de um tabuleiro invisível
onde um Deus joga xadrez!

Como um tonto personagem
de um circo de marionetes
numa cena repetida
pela vida,
tantas vezes,
preso a uma cruz de cordões.
E a mão que nos move os passos
estabelece os fracassos
e determina as conquistas.

Dos marionetes artistas
este foi coadjuvante.
Passou nos palcos da vida
sem despertar atenção.

Acho até que foi por isso
que nunca quis se casar.
Pra não subir nesse palco
como artista principal.

Mas a morte entrou em cena.

E nesse Ato Final
o pôs no meio da sala,
com luzes ao seu redor.

Todos rezaram por ele.
Todos tiraram o chapéu.
E o levaram do cenário
com as flores e o caixão.
Com todos os seus silêncios
guardados para nunca mais!

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